sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Ordenação Social

Salvo melhor juízo, se o Estado não assumir a responsabilidade pela ordenação social e se conduzir de forma a buscar sua efetiva organização, não se pode conceber a própria razão de ser da entidade estatal. A propósito, em exposição anterior constante deste blog ("A Origem da Sociedade"), foi abordado que o "contratualismo" é invocado por importante corrente filosófica que busca explicar a origem da sociedade organizada.
Apenas, num singelo resumo, importa lembrar que, primitivamente, o Homem gozava de uma liberdade absoluta (tudo podia e tudo fazia), num estágio conhecido como "estado de natureza". Mas essa liberdade cobrava um "preço", traduzido na permanente insegurança que inquietava o indivíduo, lembrando que desde os primórdios, obviamente, o Homem constituía a própria família, ainda que sem os valores consolidados com a civilização. Ora, então, aquele que "tudo podia e tudo fazia", não raro encontrava "outro", que, mais forte e mais preparado (ou até mesmo em grupo), investia contra a sua esfera de interesses (pessoais, patrimoniais, familiares, etc.), causando-lhe sensível prejuízo. Cansado desse estado de total primitivismo e desregramento, com o tempo, o Homem renunciou a parcela de sua liberdade absoluta para, então, transferir a um organismo impessoal e superior todo o poder para a regulamentação da ordem social, ao qual foi denominado "Estado". E assim, o Homem (até então plenamente livre) submeteu-se à tutela estatal, conferindo-lhe legitimidade para regulamentar toda a convivência social (por um soberano - Thomas Hobbes; ou por representantes socialmente constituídos - Rousseau). Em síntese, o Homem viu-se na contingência de renunciar aos interesses individuais para assegurar os interesses da coletividade, que, em última análise, representavam seus próprios interesses (onde ainda persiste a "lei" da plena liberdade - estado de natureza -, como alguns aglomerados humanos, como, por exemplo, favelas, o "mais forte" costuma ser assinado por alguém que, até então, não gozava desse "status"). E, então, a essa relação (Estado X sociedade), filósofos iluministas atribuíram natureza "contratual": o Estado responsável pelo bem comum e pelo equilíbrio social; e os indivíduos (membros da sociedade) renunciando a parcela dos interesses individuais para possibilitar que os interesses coletivos fossem devidamente assistidos pela entidade estatal. Portanto, na aludida relação "Estado X sociedade" é de fundamental importância que o Estado assegure a própria legitimidade, "cumprindo" seus "deveres" contratuais e, assim, preservando os interesses que lhe são confiados pela sociedade. E é importante registrar que quando o indivíduo não "cumpre" os seus respectivos "deveres contratuais", investindo contra os interesses coletivos (cuja preservação constitui o "dever contratual" do Estado), o Estado adianta-se em impor-lhe as sanções constritivas, reflexo da "vontade" estatal, que é catalogada em seu compêndio legislativo (leis).
Ora, mais uma vez (dentre tantas), estamos assistindo a uma revoltante e constrangedora demonstraçao de inoperância estatal, quase criminosa omissão. O Estado sonega a prestação assumida pela sua própria condição perante a sociedade.
Para indignação generalizada, em Belo Horizonte/MG, uma senhora recorreu diversas vezes à autoridade estatal (Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário) para denunciar o ex-marido que, inconformado com sua disposição em dele se separar, ameaçava-a continuamente, advertindo-a do "mal maior" iminente. O descontrolado ex-marido, inclusive, demonstrou real intenção de transformar a própria ira em atos concretos (segundo informado, até bomba jogou contra o local de trabalho da infeliz, no que poderia, em tese, ser definido como "tentativa de homicídio"). De efetivo, nada foi feito, ou seja, o desequilibrado cidadão continuou livre para "fazer e acontecer", não obstante uma cidadã já tivesse denunciado, quando menos, o permanente estado de insegurança física e psicológica em que vivia diante de um comportamento manifestamente ilegal e absurdo daquele que, simplesmente, se julgava seu "dono". Neste caso, pode-se dizer que o Estado tenha cumprido o seu dever de oferecer segurança à sua cidadã? E por que não dizer, oferecer segurança à própria sociedade, eis que qualquer um pode, agora, perceber que, numa situação semelhante, certamente não será, também, devidamente assistido. E vale lembrar que, no caso lembrado, havia indícios seguros de que o funesto anúncio poderia ser convertido em atos ou fatos concretos! Mas o Estado, ou melhor, alguns agentes públicos simplesmente "viraram as costas" à infeliz cidadã...
No exemplo vivificado, é importante atentar para as deficiências estatais, de molde a buscar evitar futura reincidência do que se pode definir como absoluta inércia do Poder Público. O mesmo Poder Público que sempre reivindica a sua prerrogativa "contratual"...
E nessa perspectiva, vale estabelecer um paralelo entre a Medicina e o Direito. Nesta semana, assistindo a uma entrevista de importante médico mineiro, deparamo-nos com a informação de já estar em estudo uma técnica de identificação patológica prévia - prognóstico clínico - (propensão do paciente a determinadas doenças), a partir da análise de predisposições genéticas. Pois bem, o mesmo pode e dever ser feito quanto às anomalias sociais.
Numa verificação do panorama social, pode-se deparar com os mais diversos "sintomas" do que pode vir a se transformar numa situação de patente ilicitude. Os exemplos são os mais variados e aqueles que têm algum preparo sociológico são os mais indicados à sua identificação. Quem já não deparou com as mais variadas situações de absoluta falta de limites ou de educação externadas por alguém que se julga em típico "estado de natureza"? Ora, o que é, hoje, falta de limite ou educação, pode, amanhã, ser a causa de determinado desfecho ilícito. Todo cidadão (bem ou mau educado) não admite passivamente a invasão alheia. E invasão pode ser física ou moral (psicológica), passível de receber a correspondente reação daquele que se vê violado. Ora, no Brasil vemos, hoje, uma evidente inércia do Poder Público quando diante de uma situação (ou comportamento) que, conquanto não se possa classificar como "crime", nem por isso se apresenta menos repugnante. Para apurar a veracidade do que é dito, basta tentar solicitar "socorro" às autoridades públicas na hipótese de se presenciar um ato de manifesta falta de educação, como quando alguém decide ouvir seu "potente aparelho de som" em elevado volume após a meia-noite, ou quando outro "alguém" se julga no "direito" de buzinar sua "possante máquina", a altas horas, para avisar à "sua princesa" que já a aguarda à porta de seu "castelo" (o que, por maior ironia, faz em ritmo musical, ao estilo "tã..., tã rã rã tã, tã...tã). Nesse momento, se uma discussão inicia, "só Deus pode saber onde vai terminar".
Pois bem, e diante de tal calamidade, o Estado "faz que não é com ele"... E o cidadão?... Bom, o cidadão que se vire... E ai de nós, simples mortais, que não podemos fazer como aquele Desembargador fluminense que "determinou" o fechamento da própria rua para não ser incomodado...
Mas, retornando à nossa "exemplar" realidade, enquanto isso, a pobre cidadã, duplamente vítima (do maluco ex-marido e do inerte, inoperante e incompetente Estado), está sepultada, sendo agora mais um número na estatística policial...
Por outro lado, muito pouco deverá ser feito, enquanto a sociedade civil (um dos pólos contratuais da relação "Estado X Sociedade") não se mobilizar, de fato, a fim de exigir da contra-parte contratual (Estado) e efetivo cumprimento de sua obrigação. Mas na prática (e sobre isso, ainda escreveremos), o Estado não é efetiva e exemplarmente responsabilizado...
E a "irresponsabilidade" constitui um relevante fator para a inoperância do Estado e/ou omissão ou letargia dos agentes públicos!

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