quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Indenização a David Goldman

David Goldman, o pai do garotinho Sean Goldman, anuncia a pretensão de se ver indenizado pelos familiares de sua ex-mulher, em razão das despesas decorrentes de uma prolongada demanda judicial. Todos conhecemos a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu, ao pai, o direito de ter a guarda do filho.
Afastando qualquer consideração relativa ao objeto da demanda ou ao mérito da respectiva decisão, por ora, fixemos a atenção na anunciada pretensão indenizatória.
Corretíssimo!!! Este o nosso entendimento.
Nada mais justo que a completa indenização (reparação) a quem se viu obrigado a assumir inúmeras despesas para ver reconhecido um direito que foi, efetivamente, proclamado pelas instâncias judiciais competentes.
A propósito, este não é um hábito de nossa realidade jurídica. Estamos acostumados a uma leniência que não é compartilhada pela cultura norte-americana. Aliás, se já assimilássemos tal postura, inúmeras demandas que tanto emperram a nossa "máquina judiciária" simplesmente não existiriam... Temos uma cultura "paternalista", que admite o direito ao litígio, ainda que não se tenha qualquer direito quanto ao mérito da demanda. Que o diga o Poder Público, principal "interessado" em demandas insustentáveis, pois sabe que o tempo conspira a seu favor... E precisamente em razão disso, o Estado prefere litigar, ainda que a reivindicação da contra-parte (outra parte no processo) esteja consolidada pelas instâncias jurisdicionais competentes... E depois de ver reconhecido o direito reivindicado, o cidadão ainda tem o maior de todos os percalços para o jurisdicionado, a interminável espera pelos pagamentos dos precatórios... (ainda vamos escrever sobre esta verdadeira teratologia jurídica)
Mas, tenhamos a mais definida certeza: a cultura da reparação dos prejuízos indevidamente impostos ao semelhante é extremamente benéfica ao próprio convívio social, na medida em que a responsabilização desperta maior atenção pelo respeito prévio aos interesses e direitos alheios.
Em função disso, é válido lembrar que as normas regentes de determinada sociedade (Direito) sofrem constante evolução. E uma das formas de "evolução" do Direito se dá através das influências da legislação ou da cultura estrangeiras, tendo-se, assim, o que se denomina "transplante jurídico", subdividido em "empréstimo jurídico" (assimilação de normas ou regras provenientes do Direito de outras nações) e "aculturação jurídica", que não se aplica ao caso em exame. Ora, quem sabe o eventual êxito da pretensão do Sr. Goldman não despertará nossa atenção para essa justa perspectiva indenizatória? Assim ocorrendo, quantas pessoas, que se viram profundamente prejudicadas (moral e materialmente) com prolongadas demandas judiciais, não poderiam ser cabalmente ressarcidas, fazendo-se, destarte, a mais completa justiça?
Bom, só um detalhe: onde o Sr. Goldman proporá sua demanda indenizatória? Se o Judiciário norte-americano se proclamar competente para o conhecimento da matéria, decerto que o desfecho não tardará tanto e a correspondente decisão não será tão "comedida" como as que os brasileiros estão acostumados... Aprendamos com "eles"...

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A incompetência explícita


Quando criança, assistia a um programa humorístico, em que um personagem adotava o seguinte bordão: "a incompetência é que astravanca o progresso deste país". Pois bem, caríssimo leitor, é exatamente isso, a incompetência grassa (com dois "ss" mesmo e não com "ç", heim!?!?...), sobretudo no setor público!

Nossa história de hoje retrata bem o que seja isso: a mais absurda incompetência de nossos órgãos públicos! O leitor poderá ver como é "gerenciado" o seu país; quem são aqueles encarregados de gerir o interesse público!
Como todos sabem, a regularização do registro das armas de fogo tem data limite prevista para o próximo dia 31 de dezembro. Um amigo, cujo anonimato é aconselhável, dirigiu-se a uma das agências dos Correios (órgão credenciado, pela Polícia Federal, para receber informações relativas aos proprietários de armas de fogo), a fim de iniciar o processo para o registro de sua arma. Segundo lhe fora informado, seriam necessários os seguintes documentos (original e cópia reprográfica - xerox): carteira de identidade, cartão do CPF, comprovante de endereço e detalhes relativos à identificação da arma.

Como seu cartão de CPF fora furtado juntamente com sua carteira de dinheiro, "nosso amigo" recorreu à agência da Receita Federal (tratando-se de Belo Horizonte, foi à sede, localizada na Av. Álvares Cabral esq. com Av. Afonso Pena), onde recebeu um "comprovante de inscrição e de Situação Cadastral no CPF" que a atendente da Receita Federal (funcionária pública federal) lhe garantiu que substituiria o cartão (CPF) furtado pelo prazo de trinta dias, período em que outro cartão de CPF deveria ser providenciado. Como insistisse em obter garantia da informação, a atenciosa atendente tranqüilizou "nosso amigo", com a advertência de que constava no aludido documento ("comprovante de inscrição e Situação Cadastral no CPF" emitido, justamente, pela Receita Fedral) a explícita observação de que o mesmo era "aprovado pela IN/RFB n. 864, de 25/07/2008" (detalhe importante: no caso, "IN" = Instrução Normativa e "RFB" = Receita Federal do Brasil).
Munido dos originais e cópias dos referidos documentos (identidade, "comprovante de inscrição e de Situação Cadastral do CPF" e do que entendia constituir irrefutável comprovante de endereço), nosso "personagem" dirigiu-se à agência dos Correios.

Após aguardar aproximadamente duas horas, em razão do "sistema estar fora do ar", "nosso amigo", enfim, foi atendido por uma "simpática" funcionária, cujo marido não deveria, sequer, cumprimentá-la há pelo menos três meses...

Ao examinar os documentos, a atendente comentou:
- "A polícia federal não aceita este documento expedido pela Receita Federal."

Atônito, "nosso amigo", imediatamente, comentou:

- "Mas a funcionária da Receita Federal (funcionária pública federal, exatamente como qualquer agente da polícia federal) me garantiu que este documento substitui, temporariamente, o meu cartão do CPF, que foi furtado!"

Impiedosa, a funcionária disparou:

- "Não posso fazer nada, a polícia federal não aceita este documento."

O que a funcionária dos Correios queria dizer é que o documento expedido por uma repartição pública federal - no caso, a Receita Federal - não valia absolutamente nada para outra repartição pública federal, a Polícia Federal!

Depois de alguma "negociação", o "nosso amigo" apurou possuir um outro documento onde constava o número do seu CPF (escrito a caneta!!! escrito a caneta!!!). Foi aceito!!!!...

Entretanto, depois de examinar o documento tido por "comprovante de residência", a mesma "inesquecível" funcionária dos Correios, sentenciou:

- "Este documento não serve! Tem que ser uma conta de água, luz ou telefone!"

O documento recusado era uma boleta do aluguel do imóvel alugado por "nosso amigo"! É dizer, exatamente o lugar onde o "infeliz" mora!!!

Como a impiedosa funcionária não se comovesse com seu sofrimento, perplexo, o "nosso amigo" cogitou da possibilidade de utilizar uma conta de luz em que constasse outro nome que não o seu. Para sua espantada surpresa, a funcionária disse que não haveria problema!... O aludido documento seria aceito!!!...

Então, nosso amigo que, por um acaso do destino, observara a presença, no local, de um "conhecido" que não via há anos, rapidamente solicitou deste a sua conta de luz, no que o "conhecido" prontificou-se em ajudar, emprestando(!!!) sua conta para auxiliar o "nosso amigo".

De posse do cobiçado "documento", "nosso amigo" retornou à presença de sua "algoz" agitando o exemplar da "preciosa" conquista...

E assim, a "criteriosa" funcionária realizou os procedimentos necessários ao almejado registro de uma arma de fogo!

É verdade que "nosso amigo" é um cidadão de bem e estava, apenas, tentando cumprir o que o Poder Público determina! Mas e se fosse alguém não tão "comprometido" com as obrigações de cidadão?...

Detalhe: a arma não foi registrada no endereço do "nosso amigo", mas, sim, no endereço de um "companheiro" seu... Portanto, a finalidade do registro, seguramente, não foi alcançada em sua plenitude!... E por culpa do próprio Poder Público(!!!), no caso representado pela desastrada atuação da cúpula da Polícia Federal!!!! Ai meu Deus!...

Lembram-se do que foi dito na matéria "a lei e a eficácia das leis"?... Pois bem, vale uma releitura da mesma matéria, e com atenção especial nos "fatores instrumentais de eficácia das leis", particularmente, quanto aos "estudos preparatórios" e à adequada "preparação dos operadores" que deverão aplicar os comandos expedidos...

Como também já vimos, para a eleição de nossos representantes, não basta a "honestidade", é fundamentalmente preciso avaliarmos a "COMPETÊNCIA"!!!

Enquanto isso, as regras seguem sendo burladas, de boa ou de má-fé...

Repetindo o humorista inicialmente lembrado: "a incompetência é que astravanca o progresso deste país"!

Pense bem leitor, pois você também é "e-leitor"!!!!




Competência legiferante (o que um bem intencionado legislador - político - deve possuir para se tornar um bom "homem público")

Em ensaio anteriormente apresentado, intitulado "a lei e a eficácia das leis", enumeramos algumas medidas/condutas que podem ser adotadas, a fim de que as regras elaboradas e aprovadas pelo Poder Público (leis) possam ostentar maior grau de eficácia (efetiva observância pela sociedade). Relembrando o que ali constou escrito, destacamos, no momento, haverem sido relacionados, como "fatores instrumentais de eficácia da lei", dentre outros, a "perfeição legislativa" e a "elaboração de estudos preparatórios", como particularmente vinculados à atividade do legislador (senador, deputado e vereador).
Por outro lado, em toda eleição deparamo-nos com as naturais dificuldades quanto aos critérios adequados para uma melhor escolha dentre os candidatos relacionados.
Seguem, então, algumas dicas.
Atrevemo-nos a definir, como requisitos necessários para a atividade legiferante (atuação política do representante eleito), o que denominamos "sensibilidade social" e "capacidade de articulação" política.
Sensibilidade Social -
Todo bom legislador (senador, deputado e vereador) deve, primeiro, almejar uma produção legislativa (feitura de leis) adequada à realidade social (infelizmente, por uma grave distorção estrutural, nossos "políticos" são "escolhidos" em função de sua negativa atuação clientelista - prestação de favores). Ora, o legislador deve (ou deveria...), assim, buscar conhecimentos relativos à realidade social (como um médico que, para prescrever o medicamento adequado à patologia do paciente, deve, primeiro, conhecer o paciente), conhecer os reais problemas e conflitos sociais, de sorte a municiar-se das condições necessárias à produção de regras que possam ser devidamente assimiladas pelo respectivo grupo social.
Por outro lado, embora a "perfeição legislativa" (adequação técnica da redação da norma) deva ser criteriosamente observada, a atividade legiferante não deve se limitar aos respectivo "ambiente" técnico. É que, ainda que a melhor técnica seja observada, sua inadequação com a realidade social implicará numa lei carente de conteúdo e, assim, desvinculada dos verdadeiros anseios sociais, resultando, justamente, no "abandono social" relativamente à prescrição enunciada (lei ineficaz). Cabe, então, ao legislador, em última análise, ajustar as leis à realidade social, que é o "palco" natural onde deverá produzir seus esperados efeitos positivos.
Onde entra, então, a anunciada "sensibilidade social"?
Na capacidade de identificar as reais carências da sociedade, preparando normas que atendam e satisfaçam tais necessidades! Nas palavras do jurista Paulo Nader, "o legislador não pode ser mero espectador do panorama social. Se os fatos caminham normalmente à frente do Direito, conforme os interesses a serem preservados, o legislador deverá antecipar-se aos fatos. Ele deve fazer das leis uma cópia dos costumes sociais, com as devidas correções e complementações".
Capacidade de articulação política -
Nunca devemos nos esquecer que nossos órgõas legiferantes (Senado Federal, Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas e Câmaras dos Vereadores) são entidades de deliberação colegiada, em que a atuação de seus membros (componentes - senadores, deputados e vereadores) está diretamente condicionada à atividade de seus "colegas". Com isso, de muito pouco adianta a escolha e eleição do "melhor" e "mais preparado" candidato a cargo legislativo, se os demais eleitos não estiverem verdadeiramente comprometidos com os fundamentais valores e interesses da sociedade, ou não apresentarem a mesma qualificação pessoal e funcional.
Portanto, além de nos preocupar com a eleição de "nossos" candidatos, devemos, também, nos preocupar com os demais, pois sua atuação, necessariamente, condicionará a atuação de nossos representantes. Em outras palavras, de muito pouco adiantará um excepcional deputado, se os demais não comungarem de suas melhores intenções (É dizer, um honesto e preparado não evitará os "escândalos" que temos presenciado... Que o digam, ao que se saiba e dentre alguns poucos outros, Demóstenes Torres, Fernando Gabeira, Pedro Simon, Paulo Paim...); é uma aplicação direta do ditado "uma andorinha só, não faz verão"...
Mas, além de decorrer de uma atividade colegiada (portanto, dependente do grupo), a competente atuação dos legisladores não pode prescindir de uma profunda capacidade de articulação, considerada, sobretudo, na eficiência de conjugar os mais díspares interesses. Toda deliberação conjunta deve observar os mais variados interesses dequeles que, de alguma forma, influirão no resultado final. E nisto, muito infelizmente, está uma considerável margem para as mais espúrias maquinações... Bom, mas aí está, seguramente, a necessidade de atentarmos para a formação ético-moral de "nossos representantes"... Reflitam a respeito.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Convivência social e segurança pública

Muito se tem reivindicado a respeito da maior atenção do Poder Público para os serviços de segurança pública. "Mais policiais, mais punições, mais vigilância..." Entretanto, poucos sabem que a "segurança pública" não se limita às medidas relacionadas.
Mais policiamento representa mais repressão, o que, de certa forma, atenta contra algumas garantias constitucionalmente asseguradas; mais punições não resulta, necessariamente, em solução para o grave problema social destacado, principalmente que, conforme se verá, a violência não tem origem, necessariamente, em atos criminosos. Então, o que fazer? Eis aí uma indagação de crucial importância para a solução das questões afetas à segurança pública.
Importa, então, anunciar uma das razões para a explosão de violência (em todas as suas variadas manifestações...) que temos assistido nos últimos tempos: a absoluta falta de EDUCAÇÃO! E não se trata, tão somente, de "educação" no sentido acadêmico (escolar), mas da educação relativa às regras de boa convivência social; aquela decorrente da necessidade de observância das regras mínimas de civilidade.
É verdade que não se pode resumir a questão da violência à "falta de educação", como se em outras sociedades teoricamente mais "civilizadas", a violência não existisse. Mas, também não se pode desconhecer que "lá", a violência não campeia como se tem assistido em nossa triste e cotidiana realidade tupiniquim...
Este "redator", por exemplo, tem assistido, cotidianamente, as mais prosaicas manifestações da mais incontida "ausência de educação e/ou percepção do que seja 'viver em sociedade'". Imagine o leitor, que, quase todos os dias, às 7:00 horas da manhã, um motoqueiro simplesmente buzina sua "possante máquina de 125 cilindradas" na porta do edifício... Sem comentários, né?... Eis aí o gérmen da violência... Não que este redator tenha cogitado agir com violência contra o aludido "sociopata motorizado", mas, também, não se pode ignorar que outrem o possa fazer, desde que submetido a idênticas condições de "temperatura e pressão"...
Nossa sociedade como um todo, precisa repensar a necessidade da consciência coletiva, inclusive exigindo a observância daquelas que se constituem nas regras básicas de boa convivência social, até mesmo para exigir de nossas autoridades regularmente constituídas, a adoção de medidas eficazes contra comportamentos que, indubitavelmente, comprometem a "paz social", um dos objetivos fundamentais do Estado de Direito.
Contraditoriamente ao que se reivindica, não se percebe qualquer política administrativa no sentido de fiscalizar comportamentos que, num primeiro momento, limitam-se a representar "ausência de educação" ou "falta de noção do que signifique viver em sociedade", mas, que, invariavelmente, resultam nas mais diversas manifestações de violência (de meras discussões a atos extremos como, até mesmo, agressões físicas ou homicídios). Quem já não se viu obrigado a ligar para a polícia, para solicitar "atendimento" contra um vizinho que se julga no direito de ouvir seu potente aparelho de som? E no último volume (afinal, o "entusiasmado" vizinho precisa anunciar sua mais recente "conquista tecnológica")? Quem já não deparou com um tranqüilo motorista, que, ao meio-dia, pára seu "lindo automóvel" em fila dupla numa movimentada rua do centro de uma grande metrópole? E aquele "civilizado cidadão" que, atencioso, atende seu telefone no meio de uma sessão de cinema? A lista de "exemplos" é verdadeiramente extensa...
Bom, mas desde que a violência exploda (homicídios ou outros atos extremos), as autoridades aparecem, né?... Nem que seja para concederem entrevistas aos jornais, meios de comunicação que, em última instância, são os "olhos" da opinião pública... E, para as autoridades, "opinião pública" é sinônimo de "voto"!...
Enquanto isso, vários brasileiros continuam como vítimas das mais diversas manifestações de violência. Algumas perfeitamente evitáveis... Que o digam os familiares de um empresário paulista, morto neste último final de semana na porta de uma padaria após uma banal discussão por um motivo absolutamente irrelevante, infelizmente lastreado na "falta de educação" de alguém... E não custa nada lembrar: educação social implica, necessariamente, em "respeito" aos interesses e à individualidade alheia...

sábado, 26 de dezembro de 2009

A escolha de representantes políticos


Em inumeráveis oportunidades, surpreendemo-nos em comentários desairosos, pessoais ou alheios, relativos à atividade de determinado agente político (presidente, governadores, legisladores...), entretanto, numa percepção distorcida, ignoramos que, numa democracia, somos parte integrante desse processo político que, de ordinário, culmina com a constituição do "representante comentado"...

Então, talvez devamos rever nossos conceitos na análise e escolha do candidato adequado para representar nossos anseios políticos. E nisso, lembremos que conhecidas qualidades como "honestidade" e "transparência" (que os nossos políticos menos ostentam), embora devam ser devidamente exigidas, não devem se constituir na única característica de "nosso" representante. Devemos lembrar que o agente político deve ser escolhido de conformidade com o mesmo figurino adotado na "eleição" de outros profissionais (advogados, médicos, engenheiros, etc.), como conhecimento, competência, determinação, comprotimento com o trabalho, compromisso com a confiança que lhe é depositada, dentre outros.

Assim, cada indivíduo deve ser convidado a reexaminar seus critérios de escolha política, a fim de que, depois, não protagonize conhecidas discussões "em mesas de bares", em que os agentes políticos são, normalmente, "agraciados" com os mesmos já conhecidos adjetivos... A discussão insensata e "despolitizada" é uma perda de tempo lamentável e, talvez, só reflita a frustração de quem gostaria de ocupar o "posto político" considerado...

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

A origem da sociedade


Para boa parte de importantes pensadores, a sociedade teria origem no pacto social definido como "contrato social", corrente ideológica conhecida por "contratualismo" e defendida, dentre outros, por Rousseau, Hobbes e Locke. Segundo essa teoria, o Homem, inicialmente plenamente livre na natureza ("estado de natureza") teria, voluntariamente, renunciado a este estado, com a finalidade de associar-se ao grupo social para dele obter segurança e proteção e, em troca, colaborar para a manutenção dessa mesma coletividade (sociedade). Esse pensamento filosófico difundiu-se entre os séculos XVI e XVIII. Então, para que se entenda a essência desse pensamento, deve-se atentar para a natureza jurídica do "contrato".
Assim, devemos observar que o "contrato" é o vínculo jurídico estabelecido entre duas (negócio jurídico bilateral) ou mais partes (negócio jurídico plurilateral), em que estas externam suas respectivas vontades, segundo os próprios interesses, para obterem, resguardarem, modificarem ou extinguirem direitos. Então, de se reconhecer que esse vínculo jurídico (contrato) implica em direitos e obrigações de parte a parte, de sorte que cada contratante pode exigir do outro o cumprimento das correspondentes obrigações contratuais, sempre condicionado ao cumprimento da respectiva e correlata obrigação negocial. Num raciocínio inverso, tem-se que, na relação contratual, uma parte não pode exigir da outra, o cumprimento de sua obrigação contratual, sem que, antes, cumpra a obrigação que lhe corresponde.
Transferindo o raciocínio para a referida teoria da gênese social, poder-se-ia, então, admitir que, no "contratualismo" (contrato social), cada parte deveria cumprir a sua própria obrigação para, depois, exigir o cumprimento das obrigações assumidas pela contra-parte contratual.
Assim, numa sociedade politicamente organizada, depara-se com as seguintes partes "contratuais": o Poder constituído e a sociedade correspondente. Ora, o Poder constituído (governo) impõe as obrigações grupo social (leis), que, em contrapartida, investe-se de direitos que devem ser respeitados pelo Poder constituído (governo), que se incumbe de oferecer segurança (em sentido amplo) a toda a sociedade. E essa "segurança", envolve serviços como saúde, educação, transportes, infra-estrutura e, claro, a própria segurança (em sentido estrito), dentre outros. Então, que dizer de um governo que não cumpre, convincentemente, as suas próprias obrigações "contratuais", de prestar todos os serviços públicos necessitados pela sociedade? Mas, deve-se lembrar que esse mesmo governo, não raro, estabelece as mais diversas exigências, sobretudo tributárias, cada vez mais "encorpadas" para "ambição" governamental... Tem esse Poder constituído legitimidade para exigir, da sociedade, o cumprimento das obrigações a ela impostas (leis)?... Vale a reflexão..., para a sociedade e para os govenantes!...

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A lei e a eficácia das leis


Antes de qualquer abordagem expositiva relativa à "eficácia" da lei, é preciso antecipar o próprio conceito de lei; e para entender a origem ou o conceito da lei, ou mesmo a sua razão de ser, é preciso, primeiro, examinar o "terreno" em que a lei terá incidência, no caso, a "sociedade".

Então, vamos a uma breve "introdução".

Num primeiro estágio de sua evolução, o homem era um "ser" absolutamente livre e solitário. A propósito, é preciso entender que a completa liberdade pode ser uma "realidade" cobiçada por muitos, porém, é preciso lembrar que esse almejado estágio da existência humana está, necessariamente, vinculado a uma supressão do meio social (só pode ser absolutamente livre quem está sozinho). É que, para conviver em sociedade, o primeiro requisito está atrelado à coexistência de interesses díspares, muitas vezes antagônicos. E para tanto, devemos abdicar de nossa plenitude volitiva (vontade), respeitando os interesses e a individualidade alheia. Este o grande "mistério" da convivência social: o respeito aos interesses e à individualidade alheia. E é precisamente de uma coexistência pacífica e harmoniosa que se tem a viabilização da sociedade. Em síntese, pode-se afirmar que toda manifestação de intolerância ou agressão ao semelhante, implica, necessariamente, num abalo à própria ordem social! Aqui, mais uma pequena digressão: agressão ou intolerância não tem a conotação exclusivamente física...

Então, como se visse carente de conviência social e inseguro contra toda sorte de perigos que o cercava (animais, homens ou grupos estranhos e mais fortes), aquele homem primitivo começou a formar os primeiros grupos sociais, talvez tribos ou grupamentos em que alguns indivíduos com interesses comuns esponteamente renunciavam a uma determinada parcela de sua própria "liberdade absoluta" para, com isso, se permitirem conviver com o semelhante, ou seja, com os demais "indivíduos" daquele meio social. Mas, como toda convivência plural exige determinado regramento (perceba que até os mais inocentes "jogos infantis" exigem certas regras para que possam acontecer), as primeiras normas foram concebidas a fim de garantir uma coexistência minimamente equilibrada, ainda que, num primeiro estágio, inequivocamente, rudimentar. Eis aí o momento inicial da concepção de uma determinada norma social, posteriormente definida como "lei". Assim, pois, a "lei" deve ser percebida (e é concebida) como um importante instrumento de regulamentação social, de molde a possibilitar um ambiente equilibrado e viável.

Retornando ao nosso "homem plenamente livre", devemos registrar que nesse estágio de sua existência, o homem via-se no que se denomina "estado de natureza". Muitas pessoas não sabem (talvez, a maioria dos cidadãos, principalmente, no Brasil...), mas ainda tentam viver num típico "estado de natureza", em que observam, exclusivamente, a própria vontade ou os próprios interesses, sem se importarem com as pessoas que os circundam, ou seja, o grupo social. E nesse caso, a regulamentação da convivência social se mostra, mesmo, imprescindível. Mas, mais que isso, mais que a previsão legal, a eficácia da lei deve ser o "bem" mais cobiçado... E este é o propósito deste modesto ensaio: esclarecer a importância da lei, mas, principalmente, os fatores que lhe determinam a eficácia (observância e respeito à lei, no meio social...).

Nesta breve introdução, admitida a idéia da gênese social e da necessidade de organização da respectiva convivência de seus integrantes, partamos para um enquadramento atualizado...

Da origem social até os dias atuais, muitas importantes etapas históricas foram percorridas pelo Homem em sua evolução pessoa e social. Assim, por ora, devemos abstrair tais "capítulos" da evolução humana, para entendermos o atual nível da complexidade orgânica social.

Essa mesma "lei", que num primeiro estágio social traduzia a necessidade de limitação dos interesses e vontades dos membros do grupo (justificando, ainda, a existência no regramento social), hoje é ditada pelo Estado politicamente organizado, em suas mais variadas manifestações políticas...

Considerando, pois, o Estado Democrático de Direito, deve-se lembrar que a "lei" não é um instrumento totalmente auto-suficiente, de forma que sua simples "existência" signifique a solução para o tema por ela regulamentado... Então, para que uma determinada lei seja eficaz (respeitada e efetivamente observada pelo grupo social), devem concorrer "fatores de eficácia da norma jurídica"! E, no caso, há uma regra geral que não pode ser ignorada: quanto mais efetiva se mostrar a presença desses fatores de eficácia , maiores serão as chances de eficácia da norma jurídica!

Observando, então, os "fatores de eficácia" das normas jurídicas (leis) - com os quais nossos agentes públicos (presidente, governadores, magistrados e legisladores, além dos próprios operadores do Direito) deveriam se preocupar - podemos distingui-los em "fatores instrumentais" e "fatores sociais". Antes, porém, de adentrarmos numa explanação mais técnica, queremos registrar que os citados "fatores" constituem a força motriz que permite a própria efetiva presença da norma perante a sociedade, de molde a regulamentar, eficazmente, o respectivo convívio social.

Ainda que possamos dissertar mais pormenorizadamente num próximo "encontro", adiantamos o que sejam os mencionados "fatores", lembrando que a defesa da própria organização jurídica (regulamentação social) cabe aos membros do grupo social, tanto mais atuantes quanto o forem os seus "representantes" constituídos:

"Fatores Instrumentais" de eficácia da norma jurídica (lei) -

a) Divulgação. O conteúdo da norma deve ser apresentado à sociedade pelos meios adequados. Assim, a sociedade será devidamente informada a respeito do que a lei quer regulamentar.

b) Conhecimento. É muito importante que os cidadãos tenham efetivo conhecimento do que prevê determinada lei. Nesse caso, não se tem, exclusivamente, o conhecimento provindo da "divulgação", mas uma orientação adequada, de forma a consolidar a percepção das pessoas quanto à necessidade daquela regulamentação legal (tem mais vinculação com a orientação educativa da sociedade).

c) Perfeição legislativa. A conformação física da norma (redação) deve ser absolutamente clara (isenta de ambigüidades ou contradições) e plenamente transparente, de forma que o tema a ser regulamentado seja perfeitamente refletido naquela previsão legal. As precárias redações legais traduzem-se na alegria de advogados, que, assim, encontram, facilmente, as famosas "brechas" legais que acabam por comprometer a eficácia da previsão legal (lei) questionada.

d) Estudos preparatórios. Qualquer colégio legislativo sério, certamente, atentará para a necessidade de que sejam realizados estudos prévios sobre o tema a ser regulamentado. Não se pode, simplesmente, aprovar uma determinada lei, sem um estudo criterioso a respeito do tema a ser regulamentado. Aquela sociedade precisa daquela norma...; o grupo social encontra-se amadurecido para determinada previsão legal...; existem instrumentos adequados para a fiscalização da observância legal...

e) Preparação dos operadores. Qualquer lei, precisa encontrar um grupo tecnicamente preparado para a fiscalização de seu preceito e aplicação de suas conseqüências jurídicas (sanções). Assim, policiais, advogados, promotores de justiça, magistrados, e outros, deverão ser devidamente orientados sobre a adequada regulamentação legal.

f) Conseqüências jurídicas. Para que uma determinada norma seja regularmente observada pela sociedade, é importante que se faça "acompanhar" por regras que estimulem a sua eficácia (efetiva observância pelo grupo social). No Brasil, o Poder Público já utiliza o mecanismo, sobretudo, na regulamentação tributária (o pagamento de tributos, à vista, pode determinar a redução de percentuais do valor devido); por outro lado, tem-se certas normas que auxiliam na eficácia, como a "delação premiada", diminuição de pena para presidiários que estudem, etc.

g) Expectativa de eficácia da sanção. Tão importante quanto o preceito legal (núcleo da lei, que determina o que se deve, ou não, fazer) é a sanção que usualmente lhe acompanha, encarregada de conferir uma conseqüência pelo seu descumprimento. Ora, é óbvio que o indivíduo se sentirá tanto mais intimidado pela previsão legal, na medida em que se assegure de que sua violação, seguramente, lhe acarretará a conseqüência anunciada pelo seu descumprimento (sanção legal prevista. Ex.: se o sujeito mata alguém, ficará passível de sofrer uma condenação criminal prevista entre 6 e 20 anos). Então, se o indivíduo acredita que poderá "não sofrer a conseqüência legalmente anunciada", certamente, não se sentirá intimidado ou "estimulado" a se conduzir conforme a prescrição legal.

Relacionados às condições de vida de determinado grupamento social - e, como tal, submetidos à certo momento histórico (estágio da evolução cultural da sociedade) -, os "fatores sociais" surgem como importante elemento para a garantia de eficácia da norma legal. E assim, as relações sociais e a atitude do poder político diante da sociedade, podem influenciar, de forma decisiva, na eficácia da lei.

"Fatores sociais" de eficácia da norma jurídica (lei) -

h) Envolvimento da sociedade (cidadãos) no processo de elaboração e aplicação da lei. As leis que regulamentem algo que é pleiteado pela própria sociedade, têm muito maior possibilidade de virem a ser efetivamente respeitadas pelos indivíduos. É o que se poderia rotular como "legitimidade" do processo legislativo. Quanto mais próximo dos interesses do grupo social, mais respeitado e admirado há de ser o respectivo governante. Todavia, numa sociedade plural, é preciso administrar as diferenças (eventuais interesses antagônicos), pois estas podem se constituir num entrave para uma previsão legal (lei) imune a contradições ou ambivalências.

i) Atualidade da regra legal. As leis que exprimem regras que contenham valores "antigos" ou "inovadores", de forma geral, padecem de maior dificuldade quanto à sua eficácia (observância pela sociedade). Assim, o legislador deve estar atento à contemporaneidade entre o estágio de evolução social e os valores que pretende proteger com a previsão legislativa (lei). Por exemplo, no Brasil, onde somente agora despertamos para uma consciência ambiental, de pouco tem adiantado uma legislação ambiental extremamente evoluída...

j) Coesão social. Ah..., este, sim, constitui um fator de extrema importância, não somente para a eficácia das normas jurídicas (leis), mas, também, para a própria convivência social, num ambiente harmonioso e satisfatoriamente equilibrado. Quanto menos conflitos hajam em uma sociedade, num determinado momento histórico, mais equilibrado, naturalmente, será o ambiente social, com mais seguras possibilidades de eficácia das regras fixadas para sua regulamentação. A propósito, o grande sociólogo francês, Èmile Durkheim, já discorreu sobre o tema, com inegável competência. Muitos a ele se referem como "solidariedade social".

k) Adeqüação da lei ao momento histórico. Antes de se confunda com a já referida "atualidade da regra legal", é importante salientar que, agora, não se está avaliando a contemporaneidade com os valores culturais vigentes, mas com as relações de força e com a própria realidade social, no sentido de que uma previsão legal encontrará maior receptividade, se observados os verdadeiros anseios do grupo social, sempre consideradas as forças atuantes em seu meio.

Eis, portanto, em modesta síntese, o que se tem como alguns importantes fatores para a efetiva observância das leis, lembrando que as leis nunca devem ter uma conotação exclusivamente impositiva (o que, não raro, desperta antipatias e condutas rebeldes - movimentos justificados pela a teoria de Karl Marx, "conflito social"), mas, sobretudo, necessária, para viabilizar um convívio social saudável e satisfatoriamente equilibrado.
É uma percepção sociológico-jurídica que deve ser cuidadosamente examinada pelas autoridades públicas e pelas lideranças sociais. E, para tanto, nossa bibliografia especializada oferece importante suprimento.

Os magistrados e os advogados

O cidadão deve se perguntar: Qual o meu interesse na relação entre magistrados e advogados?
Eis aí, caro leitor, uma indagação estreitamente relacionada com os interesses do cidadão. O raciocínio é simples: Quem defende o cidadão, quando ele, culpado ou inocente, se vê processado perante o Poder Judiciário? A resposta é evidente: o advogado, profissional destacado para o exercício da importante tarefa processual; é quem deve defender os interesses de todo aquele que se vê processado em juízo.
Mas a grande perplexidade vem agora!...
Por expressa determinação legal, todo magistrado deve "cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício" (art. 35, I, da "Lei Orgânica da Magistratura Nacional" - Lei Complementar n. 35 de 14/03/79) e se obrigam, ainda, a "tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência" (art. 35, IV, da Lei Complementar n. 35, de 14/03/79). E enquanto isso, a Lei 8.906/94 estipula, em seu artigo 7, VIII, (Capítulo II - Dos Direitos do Advogado), que "são direitos" do advogado "dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada"... É a lei, amigos..., é a lei...
Agora, e se os magistrados desafiarem as estipulações legais? No mínimo, seria a mais absoluta incongruência, não é mesmo? Pense bem, um magistrado negando "eficácia" à lei!!!... Mas a sua principal função não seria, justamente, assegurar a plena eficácia da lei?...
Ora, se um magistrado se permite ignorar ou afrontar determinada lei, o que poderia impedi-lo de ignorar qualquer outra lei que entendesse inconveniente, segundo seus próprios interesses?... E se você, caro leitor, estivesse submetido ao julgamento desse "nosso" hipotético magistrado?...
Em tudo, é importante adiantar, para evitar açodada defesa da própria atividade judicante (atividade do Juiz), não se trata, apenas de "interpretação" legal, mas, precisamente, de manifesta violação do preceito normativo (lei)! Aliás, é bom que se registre, acreditamos saber o que seja "hermenêutica jurídica"!...
Pois bem, mas no caso, inúmeros magistrados não somente negam atendimento pessoal aos advogados (profissionais habilitados à sua defesa, prezado leitor...), como, acintosamente, os destratam, comprometendo a defesa processual de um "sem-número de jurisdicionados" (rótulo utilizado para designar cidadãos que se vejam processados ou submetidos ao Poder Judiciário).
Bem, no presente caso, tem-se, precisamente, uma "denúncia"! E uma denúncia de um ato arbitrário adotado por "alguns" magistrados (não todos, pois na magistratura ainda existem muitos bons e grandes profissionais) contra os interesses legítimos de todo jurisdicionado! Sintetizando, pode-se afirmar que a fragilização do advogado reflete uma significativa ameaça contra o direito e os interesses (reais ou potenciais) de todo cidadão, ainda que não esteja envolvido com qualquer demanda judicial!...
Não obstante, por dever de lealdade com alguns destacados magistrados que se abalaram em justificar a noticiada conduta, é válido lembrar que o nível da advocacia está cada vez mais depreciado e a respectiva atividade, cada vez mais aviltada. O ensino jurídico!... Mas, isso será melhor explorado numa próxima intervenção... Enquanto isso, o cidadão, ah..., o cidadão, sempre desprotegido!...

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Anomia

Anomia (Robert Merton)
Embora boa parte das pessoas desconheça o que seja "anomia", devemos esclarecer que alguns grandes pensadores já se ocuparam de um estudo mais aprofundado do que significa o referido conceito.
Numa definição semântica, poder-se-ia definir "ANOMIA" como ausência (a) de norma, lei ou regra (nomos).
A verdade é que, atualmente, o conceito é adotado para explicar três situações:
a) Quando a pessoa comporta-se demonstrando pouca ou nenhuma vinculação às regras (leis) socialmente preceituadas;
b) Quando ocorre um conflito (contradição) entre normas, de forma a estabelecer uma indefinição do comportamento socialmente exigido da pessoa;
c) Quando se depara com a inexistência de norma específica que preveja a regulamentação de determinada conduta social.
Nesta breve introdução, o leitor já deve começar a se sentir familiarizado com o conceito, pois, seguramente, já vislumbra os mais variados exemplos de conduta anômica, inclusive, por experiência própria...
Não obstante, é preciso advertir que o conceito é explorado distintamente pelos pensadores que deles se ocuparam, podendo-se anunciar, como os mais destacados representantes, Èmile Durkheim e Robert Merton.
Por ora, deveremos nos limitar à concepção doutrinária do pensador norte-americano Robert Merton, cuja definição explica, em muito, determinados comportamentos desviantes (ilícitos) de cunho eminentemente patrimonialista (delitos contra o patrimônio) ou mesmo outros, de motivação política.
Consideremos, então, que Robert Merton classifica os comportamentos humanos como "modos de adaptação", que são por ele definidos como de "conformidade", de "inovação", de "ritualismo", de "evasão" e, por fim, de "rebelião".
No que respeita aos conceitos de Merton ("modos de adaptação"), cada cidadão poderia ser enquadrado num determinado "figurino" conceitual.
Convém, inicialmente, assinalar que, para Merton, o grupamento social estabelece determinadas "metas" e, concomitantemente, certos "meios" adequados para alcançá-las, de sorte que cada cidadão comporta-se de determinada maneira frente às "metas" e "meios" socialmente fixados.
No nosso modelo social, disseminado no "mundo capitalista", podemos dizer que todo cidadão aspira o sucesso ("meta"), e este, em grande parte, é definifido como "poder/dinheiro/fama"; por outro lado, esta mesma sociedade dispõe que o indivíduo deva alcançar a "meta", segundo os "meios" socialmente admitidos (estudar, trabalhar e, enfim, enriquecer, cuja conseqüência será a obtenção de fama, prestígio e poder).
Para que possamos observar o que representa determinado enquadramento do cidadão segundo a teoria de Robert Merton, segue uma breve definição dos diversos "modos de adaptação", sempre considerando a existência de "metas" e "meios" socialmente difundidos, no caso, na referência feita ao padrão de "riqueza/fama/poder":
"Conformidade" - Pelo comportamento classificado como "conformidade", o indivíduo busca atingir as "metas" socialmente previstas empregando os "meios" estabelecidos e admitidos por essa mesma sociedade. É o indivíduo plenamente adaptado ao figurino socialmente admitido;
"Inovação" - Neste caso, o indivíduo admite plenamente as "metas" socialmente difundidas (segundo a nossa definição, para esse indivíduo "riqueza/fama/poder" são, de fato, os objetivos a serem alcançados). Todavia, o "inovacionista" não concorda com os "meios" institucionalizados para a obtenção das "metas" cobiçadas. É que, para ele, "os fins justificam os meios", ou seja, atingindo as "metas", os "meios" utilizados não interessam... No caso, pode-se ilustrar com as típicas condutas criminosas: deputados corruptos, mas ricos; traficantes; seqüestradores; grandes assaltantes...;
"Ritualistas" - Agora, muitas pessoas se reconhecerão... Segundo Merton, o "ritualista" é aquele indivíduo que confere mais valor aos "meios" que às "metas" sociais. Neste caso, o indivívduo demonstra desinteresse em atingir as "metas" sociais, pois o medo do insucesso produz o desencanto e o desestímulo... O "ritualista" acredita, assim, que nunca poderá atingir o que é socialmente difundido; por outro lado, o mesmo indivíduo "ritualista" demonstra extremo apego ao cumprimento de todas as formas de regras sociais (pode-se sintetizar, afirmando que o pacato cidadão, que trabalha duro e respeita as leis, sem nunca acalentar qualquer objetivo conforme os valores socialmente estabelecidos, constitui um exemplo de "ritualista"). Entretanto, é preciso reconhecer implicações socialmente negativas na conduta do "ritualista", pois sendo ele, por exemplo, um chefe de seção numa indústria ou um chefe de repartição pública, certamente, não permitirá qualquer ambição aos seus subordinados e, conseqüentemente, comprometerá o desenvolvimento individual e coletivo;
"Evasão" - Este comportamento é caracterizado pelo indivíduo totalmente alienado, pois não observa os "meios" e, tão pouco, almeja as "metas" sociais. Para o "evasivo", não importam os "meios", que são por ele ignorados, nem tampouco as "metas", que são por ele desprezadas. Como alienado, pode-se perceber o perfil do drogado, do alcoólatra, do mendigo...
"Rebelião" - Finalmente, o "rebelde", como o conceito revela, é o indivíduo discordante dos "meios" e "metas" socialmente consolidados. Antes que se confunda com o conceito de "evasão", é importante que se registre que, conquanto discorde dos "meios" e "metas" preceituados, o "rebelde" defende seus próprios "meios" e "metas". É dizer, inconformado e revoltado com o "status quo" social, o "rebelde" preconiza a radical transformação, para que, então, possam ser observadas novos "meios" e novas "metas" sociais.
Sem embargo da conceituação negativa anteriormente explorada, é válido registrar que a "inovação" ou a "rebeldia" podem ser caracterizadas por comportamentos socialmente benéficos, pois muitas vezes envolvem a concepção de novos valores que poderão resultar em efetivo progresso social (ex.: grandes inventos, conquistas sociais, difusão de novas formas de produção, etc.).
Tirante algumas críticas que, seguramente, podem ser endereçadas à teoria de Robert Merton ou desconsideradas determinadas vantagens em comportamentos "inovacionistas" e "rebeldes", é importante que se admita que muitas condutas desviantes podem ser por ela explicadas, notadamente, a incontida obstinação de determinados indivíduos em buscar o "sucesso" (dinheiro/fama/poder) a todo custo, como certos "governadores" corruptos e outros maus políticos...