sexta-feira, 2 de abril de 2010

Têmis ou Nêmesis?

Afinal, qual o signo aspirar para a Justiça (com letra maiúscula, remete ao Poder Judiciário), Têmis ou Nêmesis? Primeiro, é necessário definir o significado do que, no momento, tem-se, apenas, por expressões.
Na mitologia grega, Têmis e Nêmesis são os nomes de duas deusas. No Brasil, o Poder Judiciário é simbolicamente representado pela imagem de Têmis, todavia, nas mais diversas oportunidades, as ações populares denotam a expressiva intervenção de Nêmesis.
Assim, "Têmis" representa estabilidade e solidez, sintetizando a sabedoria que imprime segurança às decisões, conhecida, portanto, como "deusa da justiça". Observa-se que os "ensinamentos" de Têmis não adviriam da consciência coletiva, mas, ao contrário, do inconsciente coletivo, na medida em que a própria natureza humana absorve os requisitos fundamentais para a consolidação da justiça que ela promove. A sabedoria, qualidade imprescindível a quem exerce o ofício de julgar, jamais pode prescindir do equilíbrio, representado na balança que Têmis traz nos braços. Por outro lado, ao julgar não há como ignorar a aplicação da força, a fim de que as decisões possam se impor, sem que necessariamente impostas sejam. Assim, juntamente com o equilíbrio, representado pela balança e a força, assinalada no signo da espada, conferem à nossa deusa Têmis os elementos definitivos para a solução dos mais variados conflitos sociais. Eis, portanto, a síntese de justiça: força e equilíbrio, sem que esta ordem seja necessariamente observada, pois, ao julgar, primeiro, deve-se examinar os fatos com independência e equilíbrio, e só depois de uma avaliação criteriosa, então, sim, proferir a decisão, impondo até mesmo pela força, se necessário, os termos julgamento proferido. "Julgar", no caso, jamais pode ser sinônimo de "justiçar".
Ainda numa concepção mitológica, "Nêmesis", embora irmã de "Têmis", tornou-se a "deusa da vingança", representando a força ríspida e implacável. Então, para Nêmesis, a punição é a definição de justiça. Destarte, o rigor da decisão empalidece o equilíbrio do julgamento. Assim, a punição resume o sentimento de justiça, alijando o equilíbrio que deve orientar o julgamento.
Diante desses esclarecimentos, agora podemos observar o comportamento que a população adota frente a determinados desvios sociais, crimes que desorientam a estabilidade que deve caracterizar a convivência coletiva, assumindo repercussão expressiva na consciência comum, exigindo, no caso, a reação definida por uma severidade equivalente (às vezes, até maior) à intensidade do abalo social. E nesse momento, a percepção coletiva do senso de justiça move-se para o pantanoso ambiente da vingança, numa atmosfera privada de qualquer equilíbrio ou racionalidade. E assim, ao julgar (e, principalmente, punir), pode-se ter, na realidade, justiçar, resultando numa forma de retribuição segundo a mesma orientação dirigida à prática do ato criminoso; é a equiparação do julgador ao infrator (criminoso), subvertendo a ordem, para que o primeiro se rabaixe à ambiência do segundo.
Cabe, portanto, a cada um, examinar a própria postura frente aos desvios sociais, reconhecendo em Têmis, ou em Nêmesis, a síntese do sentimento de justiça. Julgar não implica na necessária punição, mas "justiçar", sim, pois neste, o elemento "vingança" afasta o equilíbrio (balança) também representado em Têmis. Sintetizando, "julgar" ou "justiçar"?

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Olá, Ricardo.
    Seu texto sintetiza de forma clara a diferença entre julgar e punir pelos arquétipos personificados em Têmis e Nêmesis. Particularmente gosto muito de mitologias e, numa perspectiva junguiana, como influenciam no inconsciente coletivo.
    Parabéns. Vou usar seu texto em sala de aula.
    Abraço.

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