quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS ou LEGÍTIMA DEFESA SOCIAL?
 
 A verdade é que, nos últimos dias, temos observado seguidas notícias de grupos de cidadãos investindo contra criminosos nas mais diversas cidades brasileiras. Pelo que se pode observar, parece um movimento social de reação às reiteradas práticas criminosas cotidianamente presenciadas nas principais cidades brasileiras e que não são devidamente reprimidas pelo Poder Público. Ainda ontem, salvo engano na cidade de Goiânia, acompanhei a notícia de que a OAB de Goiás teria se manifestado contra o que vem classificando como uma reação equiparável aos crimes que se pretende revidar; e negação da própria ordem social. A princípio, a OAB não está errada. Todavia, entendo que a análise deve ser ampliada um pouco.
 Pessoalmente, tenho advertido a respeito do processo de "anomia" que temos vivenciado na sociedade brasileira. A "anomia" é conceituada como a perda de referenciais normativos e descrença nas instituições político-sociais (mais ou menos o seguinte: as pessoas não obedecem às leis pelas mais variadas razões e justificativas e, diante da inação do Poder Público, adotam as medidas que entendem cabíveis). Em razão da "anomia", as pessoas perdem a consciência das normas (valores e princípios) a serem acatadas no cotidiano da convivência social. Por outro lado, a descrença na ação das instituições conduz a uma predisposição ao suprimento da lacuna provocada pela inação prevista. Penso ser a pior das realidades sociais, equiparando a "anomia" ao câncer que corrói o corpo humano; no caso da "anomia", trata-se de uma moléstia a corroer o corpo social. Sim, a sociedade é um organismo, e um organismo vivo. O que as autoridades não conseguem perceber é que os organismos têm reações sistêmicas (reações sistêmicas, ainda escreverei sobre isto) e reagem às agressões. Desde as mais primárias teorias explicativas na concepção do "Estado", tem sido divulgado que sua principal função é a supressão da barbárie por uma convivência civilizada dentro de normas por ele estabelecidas. E a concepção do Estado de Direito trouxe ainda maior reforço à esse discurso.
 Mas que fazer quando o Estado não cumpre as principais funções para as quais foi concebido? Bem, neste caso, o organismo social reage. E reage de forma a manter a autopreservação do corpo social, ainda que essa "preservação" seja, no fundo, uma ilusão (ver-se-á não ser possível uma preservação mediante a agressão a uma parte do todo). Como um animal reage a uma agressão? Não nos devemos esquecer que as reações de qualquer animal são profundamente imprevisíveis. Quando acuado, um animal pode correr ou avançar sobre o seu agressor. Diria que a sociedade está se cansando de correr... Mas a solução seria a reação direta e bruta recentemente presenciada?
 Então, poderíamos dizer estarmos presenciando uma reação de legítima defesa social? No caso, é possível entender como "legítima" a reação de pessoas que se cansaram de ser agredidas por criminosos? Considerando que o Estado não oferece a segurança necessária às pessoas, poderíamos até legitimar tais reações (uma hipótese indefensável por qualquer estudioso da "sociologia"). Mas, por outro lado, a reação à altura das práticas criminosas é deslegitimada pelas mais elementares normas de uma convivência civilizada, além de abrir perigosos precedentes a ações privadas de quem se julgue de alguma forma prejudicado pela ação de outrem. Mais uma vez o Estado é chamado a agir. Agirá? Bem, considerando a "anomia" que tememos já instalada, pelo menos por enquanto não é de se esperar grandes conquistas.
 Por outro lado, continuando, as reações podem assumir proporções inimagináveis - em verdade, desastrosas -, além de trazer ainda mais insegurança à sociedade, pois, a partir de então, teríamos o medo dos bandidos concorrendo com o medo dos justiceiros. E, no caso, devemos nos lembrar que os justiceiros nem sempre adotam uma conduta paritária com a ação daqueles que pretendem "punir" (e não há prévio "julgamento" daqueles contra quem se investe, assegurando-se-lhes as regras imprescindíveis às mais básicas garantias de uma sociedade minimamente civilizada, como "amplo direito de defesa", "contraditório" e "devido processo legal"), um princípio imanente à legítima defesa: a adequação da reação diante do ato contra o qual se reage.
 Com a palavra os nossos políticos, pois a eles cabe a adoção de medidas que assegurem o equilíbrio social. Mas se os políticos não reagirem, não nos desesperemos, afinal, as eleições se aproximam. E então, se nem mesmo essa oportunidade for bem utilizada, aí, então, meus caríssimos... Que Deus nos ajude.

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